POR:

Diogo Dias

Acadêmico de Publicidade e Propaganda

POR:

Anderson Antikievicz Costa

Jornalista e professor

COMPARTILHE

Bruno Regalo: sem bullshit!

Um dos melhores diretores de arte do mundo em entrevista exclusiva para o 360on

3 de outubro de 2019

COMPARTILHE

POR:

Diogo Dias

Acadêmico de Publicidade e Propaganda

POR:

Anderson Antikievicz Costa

Jornalista e professor

BRUNO REGALO é um dos diretores de arte mais reconhecidos e premiados da atualidade. O carioca, que fez história na publicidade paranaense, agora começa uma nova etapa em Los Angeles, na Agência TBWA/Chiat Day (www.tbwachiatday.com), e foi de lá que conversou com o 360on sobre publicidade, design, sociedade e cultura.

 

Regalo nasceu no Rio de Janeiro, em 1982. Ao se mudar para o Paraná, cursou Publicidade e Propaganda na Universidade Positivo, em Curitiba. Após conseguir experiência de mercado, fundou sua própria agência, a Candy Shop, com o objetivo de conquistar a liberdade criativa e fazer publicidade de uma maneira diferente.

Deu muito certo. A Candy Shop foi considerada a Agência do Ano quatro anos seguidos e Regalo ganhou destaque nacional e internacional, chegando a Diretor de Arte número 01 do mundo em 2016, de acordo com a revista Luerzers Archive e pelo site Best Ads onTV.

 

Além disso, recebeu o Prêmio Colunistas de Profissional do Ano e Publicitário do Ano em 2017, e teve seu trabalho reconhecido nos principais festivais do mundo, como Cannes Lions, One Show, D&Ad, Effie e El Ojo. Regalo também presidiu o CCPR (Clube de Criação do Paraná), e foi durante sua gestão que o Clube ampliou a participação de agências de todo o Paraná.

 

Confira como foi a conversa:

360on > Por que publicidade?

Bruno Regalo > Por que não publicidade? Eu passei a adolescência dividido entre ver tudo, absolutamente tudo do Vasco (Sim, parece estranho, mas isso já foi imenso no Brasil), ler quadrinhos, desenhar, assistir clipes a tarde toda na MTV, filmar clipes caseiros e tocar guitarra. Meus pais são de origem simples e acreditavam que eu deveria ser advogado ou engenheiro da computação (sabe Deus por que meu pai queria isso, mas talvez eu estivesse rico agora…). Quando fui na Universidade que acabei cursando e tive uma palestra sobre o curso, percebi que ali era o lugar onde eu poderia conectar todas minhas paixões, pelos filmes, músicas e entretenimento de que gostava. Foi paixão a primeira vista, mesmo não sabendo como funcionava na prática.

 

360on > Você quis ser diretor de arte desde o início?

Regalo > Não. No começo, como precisava pagar a faculdade, abracei o primeiro emprego que surgiu. Era um estágio na área de marketing de uma empresa pequena, um dos primeiros provedores de internet  (Sim, estou ficando velho). Era um trabalho mais burocrático, mas pagava minhas contas. O salário era razoável para um primeiro estágio… O que pode ser a maior armadilha para quem está começando: um bom salário. Um dia, um grande amigo meu, que estudava comigo na faculdade e também era ilustrador disse: “Você desenha, toca guitarra… Não deveria ser um engravatado do marketing, deveria ser criativo… Diretor de arte”. Daquele dia em diante, a semente estava plantada e pesquisando um pouco mais sobre o que um Diretor de Arte fazia… Bingo! Entrei nessa e nunca mais saí.

 

360on > Você presidiu o CCPR (Clube de Criação do Paraná). Qual a importância do CCPR para a publicidade do estado e de que forma se relaciona ou se diferencia de outros clubes de criação do país?

Regalo > TODA a diferença. O Clube, como o próprio nome sugere, é algo maior para se fazer parte. Um lugar para você crescer… Uma verdadeira incubadora, onde você fará networking, assistirá palestras, terá um histórico criativo de todo o melhor da história criativa do Estado, além de poder participar com suas peças, e assim ir encontrando seu lugar ao sol. Posso dizer que fui formado pelo Clube de uma maneira ou outra. O CCPR já foi o mais atuante Clube do Brasil, mesmo contra o CCSP.  Hoje, após algumas gestões, tivemos que fazer alguns resgates para tornar o CCPR relevante de novo para as novas gerações. Atualmente, somos o segundo maior clube criativo ativo do país e um dos melhores da América Latina.

360on > Ainda sobre esse período, qual foi, na sua opinião, a principal meta atingida no CCPR?

Regalo > Acredito que foram algumas, difícil apontar uma só. Mais do que entretenimento e eventos, queríamos profundidade e de duas coisas não abríamos mão: tornar o clube democrático, sem ‘panelas’, e aberto para dentro do Estado e fora do País. Metas ousadas, mas que conseguimos atingir. Passamos diversas vezes pelo interior do estado, o que foi incrível, sempre batendo recorde de público, além de trazer jurados e pessoas globais para julgar em nossos festivais, subindo a régua na lua e tornando o que foi premiado algo realmente a ser comemorado.

 

360on > Agora, mudando de assunto. Nos últimos anos, tivemos um crescimento alarmante do número de pessoas que sofrem com transtornos de ansiedade e depressão. Muitos profissionais da comunicação lidam com esses transtornos. Como conciliar a vida pessoal e profissional?

Regalo > É um balanço extremamente complexo. Eu mesmo me vi e me vejo ainda, em alguns momentos, rompendo essas barreiras virando noites, usando tempos extras para continuar trabalhando… Mas sempre amei muito e a milha a mais para mim sempre foi algo a percorrer para entregar mais e melhor. Algo mais meu do que dos lugares que passei. Minha vinda para a California também tinha muito dessa visão: achar um melhor equilíbrio entre criar em alto nível e me divertir e relaxar no mesmo alto nível. Após os primeiros seis meses aqui, que foram super intensos em todos os sentidos, agora posso dizer que estou atingindo uma meta boa entre trabalho e lazer. Acho que não devemos “cagar regras”, mas quando começa a não ser tão divertido ou as viradas de noite são por algo em que você não acredita, ou por desorganização, é hora de sentar e rever tudo. Principalmente pela sua saúde mental e física. Publicidade é uma paixão, mas mesmo as paixões podem sufocar e fazer mal. É importante estar atento aos sinais do dia a dia: redução contínua das horas de sono, má alimentação, elevação de peso corporal, etc… Exercícios físicos e mentais podem ajudar muito, meditação e principalmente uma auto-análise para entender seus limites e o que vale ou não a pena percorrer. No fim, é sobre nós e nossas escolhas, ninguém tem uma bola de ferro no pé… Aprendi algo fantástico com a nova geração: “Você não é obrigado”, e não é mesmo. Respeite seus limites e conceitos, pague o preço e seja feliz, dentro e fora da sua profissão… Defuntos, não costumam criar tão bem. Esteja vivo.

360on > Você recebeu outras propostas para trabalhar fora do Brasil, mas parece ter esperado o momento certo. Como você soube que era a hora de ir? E como tem sido a experiência?

Regalo > Você nunca sabe, na verdade. A cada nova proposta o frio na barriga e a fantasia do futuro em outro lugar são uma sedução única. Quando as propostas começaram a aparecer com uma certa frequência e várias de lugares realmente legais, percebi que era hora de desenvolver uma métrica para não desfocar do meu projeto que era a Candy Shop na época… A metodologia continha 5 pontos. Se bater 1 ou 2: agradeça imediatamente e tchau, obrigado. Se bater 3: sente, converse, veja o projeto, mas praticamente é ‘não’ também… Você já deve ter algo melhor e nem sabe. Se bater 4: ouça tudo atentamente, por que a probabilidade de sair é de 90%. Se bater 5, pergunte: “Quando começo?”. E os pontos eram: 1º – Com quem vou trabalhar e aprender?  Precisamos de mestres, pessoas para aprender, ninguém está 100% pronto, nunca pare, busque novos mentores. 2º- Com qual cliente vai trabalhar? Principalmente fora do Brasil, quem paga seu salário são as contas que você atenderá. Ache uma ruim e sua vida será um inferno, ache uma boa e as possibilidades de fazer algo de que se orgulhe vai aumentar exponencialmente. 3º – Qual a agência? Qual o DNA da agência? Qual o histórico? Quem já trabalhou ou trabalha lá? Lembre-se de que você nunca mudará uma agência… Ninguém tem esse poder sozinho, isso é balela. A famosa “virada Criativa” dura o tempo da sua entrevista e termina na primeira reunião que o cliente ameaçar sair. Você pode influenciar e melhorar o  rendimento de uma agência, mas não mudá-la. Ache uma agência criativa de verdade, que ame ideias como você ama, ou mais. 4º – Qual a cidade? Várias agências são fantásticas, mas existem sedes e sedes. Nova York e Los Angeles sempre parecerão melhor que cidades menores no oriente médio, etc… Melhores agências estão nos maiores centros, não por acaso. 5º – Qual a $ e o cargo? Nunca deixe essa ser a primeira, esse é um importante ponto, mas pode ser relevado se todas as anteriores forem positivas. Grana é que nem sombra, se correr só atrás dela você nunca alcançará. Essa profissão é sobre TRABALHO. Faça bons trabalhos e ganhe grana, posição, promoções, voz. Tudo é entrega. Com essa métrica, ficou fácil definir quais acertar e quais descartar.

360on > O que os publicitários brasileiros podem aprender com os designers estrangeiros e o que os estrangeiros podem aprender com os brasileiros?

Regalo > Sem dúvida. Aprendemos com todos o tempo todo, fora do Brasil ainda mais. Não é sobre técnica, bom gosto e execução. A maneira de criar é outra, os tempos, os movimentos, os budgets e sim… Também os layouts. É uma troca riquíssima ver pessoas criadas em outras culturas, como vêem uma ideia e como traduzem ela em imagem… Da mesma maneira em que é encantador para os americanos verem  a nossa maneira de criar, entregar… O cuidado com os detalhes, a velocidade e versatilidade que temos.

 

360on > Pode nos falar um pouco sobre o seu processo criativo? Sabemos que cada projeto é único, mas existem etapas que você segue independentemente disso? E de que maneira esse processo evoluiu com o tempo?

Regalo > Não acredito em processos engessados, o cérebro é infinito e isso faz com que cada job ou situação se resolva de uma maneira diferente. Muitas vezes é rápido, veloz e indolor. As vezes é viceral e cruel, sofrido. Mas em geral uso um A3 virado em formato de paisagem, faço listas intermináveis de raciocínios, cada um por um ponto de vista em uma coluna ao invés de apenas uma coluna com tudo dentro. Dessa maneira, abro mais caminhos e insights, e facilita a focar também. No fim, acabo tendo mais caminhos e mais execuções. Outra coisa que uso muito aqui é o ‘5 to 5’. As vezes nos pressionamos muito pela escola brasileira de criação… Fazer 300 títulos, 200 ideias… Claro que é sensacional, mas com o passar do tempo e com mais experiência você fica mais assertivo. Uso essa técnica de achar 5 campanhas até as 5 da tarde. 5 é um número bom, não é pouco, não é muito. Mas se dessas 5, seu DC separar 2, você já tem terreno fértil para tocar em frente e tirar o peso da folha em branco das costas.

 

360on >A Bauhaus completa 100 anos em 2019. Na tua opinião, qual foi a maior contribuição da Bauhaus para o design e como os ideais da escola funcionam ainda hoje? A Bauhaus tem alguma influência sobre o teu trabalho?

Regalo > A Bauhaus é referencia obrigatória na formação de qualquer um que vive de visual. Mesmo para quem não estuda a escola Bauhaus, influencia, pelo tamanho impacto na sociedade. Sem dúvida, tem muita influência no meu trabalho, inclusive para inversão dos conceitos mais minimals e ortodoxos. Sou mais focado no pós-modernismo, então, estudar a base Bauhaus foi fundamental para construção dos estilos com que mais me identifico.

36oon > Seu trabalho apresenta uma identidade própria, que, ao meu ver, vem de uma união muito criativa dos pontos fortes de diferentes momentos do design: o elegante do Arts and Crafts, as tipografias da Bauhaus e da New Wave, e a atitude e a desconstrução inspirada em David Carson. Sei que, por vezes, não costumamos classificar ou descrever nosso trabalho, mas essa seria uma leitura adequada? Ou como você definiria sua estética atual?

Regalo > Engraçado, adoraria falar disso por horas, mas ninguém teria saco para ler…. Hahaha Vou tentar simplificar com um exemplo: durante uma época da minha carreira levei muita pedrada de concorrentes falando que meu trabalho era “sempre igual”, sempre tinha elementos xyz… Aquilo me fez mal, me fez paralisar por um instante e repensar tudo. Realmente tinha parado de ler archives e mergulhado em outras coisas completamente fora da propaganda, sejam os livros da Emigree fonts, sejam créditos de filmes, capas de discos, movimentos artísticos, galerias de arte, etc… E nessa época de questionar tudo e saber se era um golpista ou não vi um TED com o David Carson, que pra mim é um gênio das artes visuais e um dos maiores da história do design gráfico, onde ele falava algo sobre estilo: “Só você leu os livros que você leu, os filmes que viu, as músicas que tocou, os lugares que visitou, os relacionamentos que teve… Isso é único e se você não colar isso no seu layout você será sempre um emulador. Emuladores são substituíveis, não marcam, passam em branco e sempre terá um melhor. Seja você, deixe sua marca e as pessoas irão querer mais disso”. Aquilo explodiu minha cabeça e entendi que a mistura de tudo que vivi deveria sim servir as marcas com quem trabalho. Desse dia em diante, valorizei ainda mais cada detalhe nos meus layouts, tudo, absolutamente tudo tem um por quê, qual a história por trás da typeface, qual a intensão com a paleta de cores, qual a a diagramação, etc…E sempre tentando fazer algo diferente do que a maioria dos emuladores fazia. E isso também foi um dos motivos que fizeram as propostas começaram a aparecer, aí foi a confirmação de que investir no que acreditava valia a pena.

36oon > A estética dos nossos trabalhos sempre recebe influência daquilo que somos, que lemos, que consumimos, do que estudamos.  O que mais te influencia hoje, tanto no design como fora dele?

Regalo > Hoje vivo em outro país, outra cultura de maneira cotidiana. Mesmo os EUA tendo influenciado muito da minha geração nos anos 80 e 90, vivenciar de perto faz tudo parecer mais fresh e abre novos quebra-cabeças na cabeça. Conceitos visuais que tinha foram repensados, resignificados, e naturalmente evoluíram para algo novo e mais  excitante. Hoje me inspiro muito indo na Amoeba records, a maior loja de discos do mundo, vendo posters, discos, livros dos anos 90, indo a shows, museus, lendo muito… Acho que nunca li tanto na vida, compro e consumo uma média de cinco a seis livros por mês, seja para melhorar o idioma, seja para estudar. Ir ao cinema e visitar galerias de arte independentes, etc… Los Angeles é a cidade do entretenimento e tem sido a Disneylândia para quem é apaixonado por visuais. Continuo com minha rotina rígida de estudos nos domingos fim de dia, afinal, ter tudo isso nos olhos e na memória, mas não praticar e misturar, não faz sentido.

 

360on > Ainda sobre esse assunto, qual é a importância e como desenvolver uma identidade profissional no design?

Regalo > Acho fundamental. Ser versátil é praticamente obrigatório para sobrevivência no nosso mercado, mas ter um toque seu que mesmo em diferentes estilos seja identificável pode ser algo fantástico. Isso fará você ser mais lembrado no meio de tanta gente. Eu invisto e aconselharia a todos fazerem o mesmo. Aqui nos EUA é super comum você ouvir relatos sobre redatores como: “Esse é expert em humor no-sense, esse é mais craft long text, esse é mais storyteller”. Claro que todos estão aptos a fazer um roteiro, ter ideias, fazer um título, mas todos tem uma vertente mais forte… E por que com a Direção de Arte tem que ser diferente?

360on > E para terminar, uma pergunta-desafio. Qual o futuro da publicidade e do design?

Regalo > Publicidade é como o rock, todo ano assinam o atestado de óbito, mas não tem como enterrar algo que é mutável, praticamente imortal. O rock e a propaganda/design estão em tudo, não só em páginas de revistas e comerciais. Na Globo… Essa propaganda morreu, assim como os rocks fabricados dos anos 80… São essencialmente ideias e ideias são eternas. Resolvemos problemas e vendemos, e o mundo terá problemas mesmo daqui a 100 anos e ainda precisará de bons vendedores… Ah, e de bons acordes de rock também. Normalmente, os que tentam matar o rock e a propaganda, nunca estão no palco e, sim, escrevendo críticas atrás de poltronas confortáveis e sem risco.

E AÍ, GOSTOU DO CONTEÚDO
OU TEM ALGUMA SUGESTÃO?

Entre em contato: [email protected]