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Milena Lemes

Acadêmica de Jornalismo

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A reciclagem é feito como trabalho de formiga

De acordo com o IBGE, no Brasil existem 34,31 milhões trabalhando na informalidade

10 de setembro de 2019

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Milena Lemes

Acadêmica de Jornalismo

Imagine o cenário de um filme inglês, com ruas encobertas pela neblina. Foi assim que começou mais um dia de trabalho do coletor de materiais recicláveis Hélio de Lima. Ele tem 50 anos e reside em Cascavel. Hélio é acostumado a sair de casa às 6h, mas, nesta manhã em específico, o coletor saiu para garantir o pão 30 minutos mais tarde. Na rota de Hélio estão os bairros 14 de Novembro, Montreal e Quebec.

 

De acordo com dados do IBGE de 2017, Hélio faz parte dos 34,31 milhões de brasileiros que trabalham na informalidade. O coletor foi prenseiro durante sete anos em uma empresa de Cascavel, porém devido a um acidente de carro, Hélio precisou pôr parafusos na perna e, por conta disso, sofreu uma crise durante o expediente e acabou demitido.

 

Após oito meses de ter saído do emprego formal, Hélio está há quatro meses com o carrinho de coletor. O economista Rui Eduardo explica em qual momento o brasileiro percebe que para se manter, precisa trabalhar num emprego informal: “Normalmente quando a pessoa está desempregada e não tem uma qualificação diferenciada. Hoje, 14 milhões de brasileiros estão desempregados, primeiro eles partem para o seguro-desemprego e depois vão para a informalidade. Uma parte dessas pessoas vão catar o lixo reciclável e a outra parte vai ser ambulante”.

 

Hélio coleta com dois carrinhos, após carregar os dois, ele decide qual vai descarregar no barracão da família e voltar para as ruas. Durante a manhã, ele me explica como funciona o sistema de coleta. São várias bolsas plásticas penduradas no carrinho puxado por uma bicicleta. Uma das bolsas é destinada ao recolhimento de garrafas pet, outra para sacolas plásticas, uma para latinhas e no interior do carrinho são depositados os recicláveis menos encontrados, como caixas de sabão em pó e papelão. Cada produto é vendido por quilo e têm valores diferentes, o quilo da garrafa pet, por exemplo, custa 60 centavos, quando em cores misturadas, e 80 centavos, quando separadas por cores.

HÉLIO LIMA, IMAGEM DE MILENA LEMES

Ao longo dos meses, Hélio construiu amizades com moradores dos bairros e com empresas, que reciclam o lixo especialmente para o coletor. Porém, de acordo com a laboratorista de um colégio de Cascavel que oferece curso técnico em Meio Ambiente Sheila Zini, não são todas as pessoas da cidade que fazem o processo de separação: “A população de Cascavel não é consciente de uma forma geral na separação do lixo, apesar de ter um sistema de coleta seletiva, porque a gente se depara com lotes baldios cheios de resíduos”. Sheila fala qual o efeito que o lixo descartado incorretamente causa ao meio ambiente: “Acontece degradação do material e contaminação do solo, que atinge os lençóis freáticos e contaminam a água”.

 

Apesar de ter selado parcerias, Hélio não tem medo de abrir sacos de lixo e recolher o que pode ser reciclado. Ele coleta aproximadamente até oito da noite, repetindo as rotas, pois em um determinado período talvez não haja lixo que sirva para ele recolher. Mesmo trabalhando durante muitas horas, Hélio afirma que: “Dinheiro não é tudo nessa vida, ele é necessário para muitas coisas, mas não é o mais importante. Eu trabalho para pagar as minhas contas, não para ser rico”. O trabalho como coletor está rendendo a ele e a esposa a aquisição de um lote.

 

De acordo com o economista, Rui “Muitas pessoas tiram o custo diário da alimentação, vestuário, dia a dia e estudo dos filhos do emprego informal.” Isso ajuda a girar a economia do país “Se uma pessoa não tem um ganho formal ou informal, ela não tem o que gastar. Então quem ganha mesmo com um trabalho informal, gera ao governo um tributo indireto, que é a compra e aquisição de bens. Usar o transporte coletivo, compra no supermercado. Se não fosse a informalidade, o governo arrecadaria menos”, complementa o economista.

 

Hélio faz graça com minha companhia e diz para os conhecidos que arrumou uma secretária por um dia. O vento gelado naquele sábado não estava tão cortante, mas os resíduos molhados pela neblina encharcaram as luvas de Hélio e as luvas que ele emprestou a mim, durante nossa conversa, ele me conta como lida com os olhares preconceituosos que vez ou outra, recebe na rua “Eu sei onde eu posso ir. Nós não vamos agradar a todos e não vamos mudar ninguém, cada um é cada um. Eu largo pra lá”.

 

Enquanto Hélio e eu caminhamos pelas ruas dos três bairros, do outro lado da cidade, no Bairro Brasmadeira, a Cootacar (Cooperativa Trab. Catadores de Material Reciclável de Cascavel), funciona com mais de 70 colaboradores. Ao todo, são cinco barracões, com bags – sacos de lixo – que quase alcançam o teto.

 

A líder da cooperativa, Maria José Santos, de 48 anos e 19 de cooperativa me conta que viu o local nascer: “Nós começamos em 10, o barracão era tão pequeno que o trabalho acabava muito rápido e a gente ia para a rua coletar”. Maria relata que sempre esteve ao lado da cooperativa, nos momentos de alegria e de tristeza, “É igual casamento, você tem que viver com o seu marido na hora que ele não está te dando nada também, a cooperativa para mim é assim”.

 

A Cootacar possui dois caminhões que buscam materiais em locais específicos, como em condomínios, e um caminhão da prefeitura descarrega no local também. A cooperativa recebe materiais provenientes dos vizinhos e da semana da doação, em que é dado à Cootacar materiais de construção (saco de cimento, latas). Esses donativos são feitos todos os meses e cada barracão tem a semana específica para receber os produtos.

 

Maria relata que houve um tempo em que os materiais chegavam à cooperativa e não havia condições para trabalhar. O resíduo reciclável estava ali, mas misturado com comida ou até mesmo fraudas, porém isso deixou de acontecer. “Agora a população é mais consciente em relação à separação do lixo, antigamente vinha muitas coisas que não dava para separar, agora não é tanto assim. Hoje vem mais limpo, claro que às vezes a gente encontra algo no meio, mas não dá para exigir que as pessoas façam o trabalho por nós”.

 

Quando descartado corretamente, o lixo atinge o nível de reuso, no colégio onde Sheila é laboratorista há um ponto de coleta de lixo eletrônico. Após ser feita uma triagem do que pode ser reutilizado, os alunos dos cursos de Informática, Eletrônica e Eletromecânica utilizam os eletrônicos para fazer projetos e usar em aulas práticas. Além disso, de acordo com Sheila Zini “Acontece o reuso de vários materiais, é feita manutenção do lixo eletrônico e montado computadores para serem usados no próprio colégio”.

 

Na Cootacar cada um é chefe de si mesmo e o trabalho é feito igual ao de formiga: todos fazem uma parte. Maria cuida da separação de produtos de vidro e também mexe com a máquina de comprimir isopor. Há também os trabalhadores responsáveis pela separação dos resíduos que são colocados na esteira e, tudo que não pode ser reciclado, tem outro destino. Após passar pela esteira, os reciclados são colocados na prensa e transformados em placas de lixo – mais ou menos como o famoso robô do filme Wall-e (2008) faz. No fim do mês o rateio (salário) é dividido e cada um recebe a quantia referente aos dias trabalhados. O valor recebido pelos cooperadores varia, no mês passado (maio), a média por trabalhador foi de R$ 700,00.

O economista, explica que a pessoa vai para a informalidade quando não vê outra saída: “Por não ter mão de obra qualificada, não ter estudo, essas pessoas vão para um setor onde tem facilidade de matéria-prima, ganho maior, que seria a coleta do lixo”. O que é o caso de Maria e o que a faz permanecer na cooperativa durante todos esses anos. “Nós não estudamos e precisamos disso, têm milhares que precisam desse mesmo serviço que eu faço para tirar o sustento”. No Brasil, de acordo com uma pesquisa realizada este ano pelo site Catho Online, a média salarial de um coletor é de R$ 1.243,91.

 

Os materiais recolhidos por Hélio são vendidos por ele mesmo, todo fim de mês. Já os materiais coletados e separados pela Cootacar são vendidos para cidades além de Cascavel, como Londrina, Foz do Iguaçu.

 

A impressão que tenho de Hélio é de um humilde senhor, assim como ele mesmo afirma ser: “O catador tem que ser humilde, muita gente nos quer bem, mas muita gente nos olha como bicho. Nós temos dividas, como um ser humano”, além de ser uma pessoa muito simpática e com mãos determinadas para garantir o sustento mensal.

 

Maria também esbanja humildade e simpatia. Ela conta coisas que sofreram devido ao trabalho: “Já fomos muito humilhados, mas continuamos indo em frente”. Sempre com força e muita fé, Maria e o idealizador da cooperativa, Jonatas Barreto, sonham em serem donos do próprio barracão junto com os outros trabalhadores que fazem o dia de serviço render.

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