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Jorge Pedro Sousa: um olhar crítico sobre a comunicação

Em entrevista à professores da Univel, renomado pesquisador português comentou suas novas pesquisas e falou sobre jornalismo, fotografia e fake news

19 de novembro de 2020

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O  professor e pesquisador português Jorge Pedro Sousa é um dos mais importantes teóricas da Comunicação na atualidade, principalmente nas áreas de fotografia, fotojornalismo e análise do discurso. No Brasil, seu livro mais famoso é “Uma História Crítica do Fotojornalismo Ocidental”, publicado em 2000 e que ainda é referencia teórica e prática fundamental em qualquer discussão da área.


Em entrevista ao portal 360on, o catedrático comenta os processos de modernidade no Jornalismo tanto no seu país, como no Brasil e como essa questão interfere na forma de retratar os acontecimentos que serão noticiados.

 

Com tantas ferramentas novas que envolvem a tecnologia, e que facilitam diariamente o desenvolvimento das atividades do jornalismo, existe também a preocupação com a forma de veiculação de notícias e, também, com as temidas fake news. Além dessas questões, ele também falou um pouco sobre suas pesquisas e quem são suas referências.

 

Confira na íntegra a entrevista conduzida pelos professores Anderson Costa, Karin Betiati, Kassia Beltrame e Sergio Kulak, com o professor Jorge Pedro Sousa.

1 – Dentre suas publicações, algumas obras já se tornaram clássicos e leitura obrigatória em várias áreas dos estudos da comunicação. Em Fotojornalismo, por exemplo, Uma História Crítica do Fotojornalismo Ocidental é fundamental para qualquer discussão. Em qual área de pesquisa o senhor está trabalhando agora e que tipo de obra podemos aguardar?

 

Lidero um projeto de pesquisa intitulado “Para uma história do jornalismo em Portugal” (http://www.histjorn.fcsh.unl.pt/), que no final, em 2021, deverá ter vários livros coletivos publicados, cobrindo a história da imprensa, do radiojornalismo, das agências noticiosas, dos jornalistas, do cinejornalismo e telejornalismo e dos jornalistas em Portugal. Lançamos o livro coletivo Notícias em Portugal (https://www.icnova.fcsh.unl.pt/noticias-em-portugal/), de acesso livre, e já organizamos uma conferência internacional (http://historiadojornalismo.fcsh.unl.pt/).

 

2 – Com os celulares produzindo imagens de boa qualidade e as redes sociais pulverizando essas fotografias, o fotojornalismo perdeu território. Como os fotojornalistas podem reconquistar espaço no atual mercado? Ter um letramento visual parece não ser mais o suficiente.

 

É uma batalha perdida querer disputar espaço com os amadores e por pessoas que obtenham fotografias, por casualidade, quando ocorrem acontecimentos inesperados. Os fotojornalistas devem distinguir-se pelo seu profissionalismo, dedicação, ética e também pelo estudo. Recomendo aos fotojornalistas que estudem fotografia com afinco e que vejam muita, muita mesmo, fotografia. O estudo profundo da fotografia pode ser uma mais-valia na hora de materializar um assunto em imagens fotográficas. A aposta em trabalhos de projeto – de natureza fotodocumental – também pode ser importante como instrumento de diferenciação e de legitimação da própria atividade.

 

3 – Entre os fotojornalistas e fotodocumentaristas atuais, há alguém ou algum trabalho fotográfico em especial que chamou sua atenção?

 

Sebastião Salgado continua a ser o meu herói fotográfico presente. Em Portugal, acompanho com interesse Leonel de Castro, que venceu o prémio Estação Imagem 2019; Mário Cruz, que venceu o terceiro prémio do World Press Photo na categoria Ambiente, também em 2019 e Daniel Rodrigues, primeiro prémio do World Press Photo 2013, categoria Vida Cotidiana.

4 – As notícias falsas ganharam espaço nos últimos anos e se configuram para além de um fenômeno social, poderosas ferramentas políticas. Um estudo da Universidade de Oxford, intitulado The Global Disinformation Order: 2019 Global Inventory of Organised Social Media Manipulation, identificou que partidos políticos e governos de pelo menos 70 países se utilizaram de robôs virtuais para manipular a opinião pública nas redes sociais em 2018, 150% a mais do que em 2016. Na sua opinião, que aspectos devem ser considerados para se compreender esse cenário?

 

Tem-se tentado dar respostas a essa pergunta com livros, teses de doutoramento, artigos científicos e que é difícil ou impossível responder no tempo curto de uma entrevista. Obviamente, há que partir do diagnóstico do problema, que mistura fatores como:

 

a) A onipresença do digital na vida das pessoas, em particular dos jovens e dos jovens adultos;

 

b) O influente papel dos oligopólios internacionais dos motores de busca (Google…) e redes sociais (Facebook, Instagram, WhatsApp…) na disseminação pública de mensagens;

 

c) Os usos perniciosos da ciência dos dados – aplicada a dados dos utilizadores dos motores de busca e redes sociais – por entidades que tentam manipular o público com intuitos políticos (obtenção de poder por eleições…) ou econômicos (lucro…);

 

d) O marketing digital – político, comercial, estratégico – que transforma, quando não é honesto, as redes sociais em difusoras de falsidades ou de mensagens adaptadas a grupos específicos, com intuitos de manipulação;

 

e)  O fato de neste cenário as informações falsas terem mais valor político e econômico do que as verdadeiras (ideia de Elias Machado, da UFSC), o que afeta o jornalismo, que vive, idealmente, da busca e relato de informações verdadeiras;

 

f) A falta de literacia midiática, apesar de as pessoas estarem, hoje, mais alertas para o fenômeno das fake news;

 

g) As tendências, descritas nas teorias da comunicação clássica, que impelem as pessoas a prestarem atenção e consumirem mensagens com que se identificam e que correspondem, reforçando-os, aos seus valores, crenças e expectativas, gerando, pelos modos atuais de consumo de conteúdos, o encerramento das pessoas em bolhas de opinião pouco ou nada permeáveis a opiniões e perspectivas diferentes;

 

h)  A própria crise do jornalismo, que é, em grande medida, uma crise de modelo de negócio. O modelo de negócio jornalístico dominante ainda é o da Revolução Industrial, quando, no momento, enfrentamos a Revolução Digital. Os próprios oligopólios mundiais da comunicação canibalizam, sem pagarem, os conteúdos produzidos pelos meios jornalísticos. As pessoas também se habituaram a não pagar pela informação que consomem, não havendo dinheiro, não se pode fazer jornalismo com qualidade, pois não é possível investir em recursos humanos, materiais e outros. E sem um bom jornalismo, quem perde é a democracia.

 

5 – Ainda sobre as notícias falsas, os jornalistas têm parcela de culpa? Como jornalistas, que autocrítica devemos fazer?

 

Não gosto do termo culpa, que é um conceito religioso, remete para a esfera do pecado. Prefiro responsabilidade. Às vezes, mas poucas vezes, o comportamento de rebanho dos jornalistas facilita a propagação de notícias falsas pelos próprios jornalistas. Os jornalistas têm a responsabilidade de verificar e contrastar as informações para não contribuírem, com a sua ação, para a propagação de falsidades. Só assim o jornalismo manterá a sua credibilidade. De qualquer modo, a responsabilidade por aquilo que tem acontecido não recai, nem pode recair, sobre os ombros dos jornalistas. Os jornalistas são mais vítimas do que responsáveis pelo estado a que estas coisas chegaram.

 

6 – Com o avanço das tecnologias, os cursos de Jornalismo e de Fotografia tiveram de se renovar, oferecendo, para além da formação clássica, conhecimentos essenciais em novos formatos e mídias. Entretanto, que outros aspectos ainda precisam ser desenvolvidos na formação desses profissionais? Que novos conhecimentos estão se tornando cada vez mais fundamentais nos últimos anos? Que barreiras do ensino tradicional devem ser rompidas?

 

Os cursos de jornalismo, especialmente na pós-graduação, deveriam fomentar a experimentação laboratorial e a inovação, colocando-se à frente do mercado na busca de soluções para os problemas que a atividade enfrenta. É esse o papel da universidade: liderar na obtenção e partilha de conhecimento. E para isso têm de correr os mesmos riscos que as empresas quando estas apostam em algo novo para oferecer ao público. Mas isso, no jornalismo, não significa abandonar o estudo tradicional, humanista, de cultura geral, de contexto, e o estudo teórico aprofundado. Por exemplo, estou convencido, como já disse, que só se entende a fotografia e se consegue ser um bom fotógrafo estudando muita fotografia, vendo muita fotografia, analisando a obra dos grandes fotógrafos.

 

7 – O senhor comentou em entrevistas anteriores que, na sua percepção, no jornalismo brasileiro existe uma abertura um pouco maior para a opinião em relação ao jornalismo português. Já no fotojornalismo, o estilo brasileiro é mais informativo, enquanto que o estilo português apresenta uma preocupação maior com a estética e certa aproximação com a arte. Apenas por curiosidade, o que se poderia imaginar do jornalismo brasileiro com o fotojornalismo português e o jornalismo português com a fotografia brasileira?  Ou não se misturam? Ou ainda, que cada país pode aprender com o outro em termos de jornalismo e fotojornalismo?

 

Esse é um fato curioso, estudado no fotojornalismo por Maria Zaclis Veiga, que foi minha orientanda de doutoramento. Contradiz um postulado nas teorias do jornalismo: a existência de uma “tribo jornalística” transnacional, ideia defendida pelo recentemente falecido professor Nelson Traquina. Efetivamente, os fotojornalistas portugueses e os brasileiros têm perfis diferentes e trabalham, muitas vezes, com intencionalidades fotográficas diferentes. Mas claro que se podem misturar e aprender uns com os outros. Oxalá o façam.

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